Apresentação realizada em 28.05.03 no CES do HEGV por ocasião do evento comemorativo pelo “Dia dos assistentes sociais”.
Conceituando a violência contra crianças e adolescentes.
A violência social que hoje mobiliza os diversos grupos sociais, seja os da sociedade civil ou do Estado, expressa-se de forma especial em relação às crianças e aos adolescentes. A fragilidade deste segmento, bem como a sua subordinação na consecução de seus direitos e necessidades básicas o coloca mais vulnerável diante da degradação econômico-social que caracteriza a atual sociedade. A condição de seres em desenvolvimento torna as conseqüências da violência (física, psicológica, sexual e da negligência) mais agravantes, resultando, na maioria das vezes, em seqüelas bio-psíquicas irreversíveis.
As diversas manifestações da violência contra crianças e adolescentes são analisadas, por parte da literatura específica, sem obedecer a uma classificação hierarquizada sobre sua gravidade. Até porque, é comum se verificar associações sobre os diversos tipos de violência. Assim, uma criança ou adolescente que é vítima de violência física, geralmente, também é submetido à violência psicológica, à negligência ou abuso sexual. Dessa forma, entende-se que todos os tipos de violência devem ser considerados com o mesmo nível de gravidade, pois podem sinalizar uma situação de risco social ou mesmo de vida para este segmento.
Adota-se o conceito de Deslandes (1994), a qual define a violência contra as crianças e aos adolescentes, ou os maus-tratos, como prefere a autora, “pela existência de um sujeito em condições superiores (idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade...) que comete um dano físico, psicológico ou sexual, contrariando a vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa”.
A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990 representou um grande passo na proteção da infância e da adolescência. Em substituição ao antigo Código de Menores, o ECA passa a reconhecer esse grupo societário enquanto sujeitos de direito, abolindo o conceito de “menoridade”, o qual o submetia à condição de propriedade dos pais. Outrossim, passa a responsabilizar toda a sociedade (família, comunidade, Estado...) sobre a proteção da infância e adolescência.
Fatores associados à violência contra crianças e adolescentes.
Apesar de atingir de forma particular as camadas populares, tal violência também se verifica em todos as culturas e classes sociais. A visibilidade maior nas camadas populares é possível, devido estas, em termos absolutos, serem maior numericamente e por utilizarem mais os serviços públicos de saúde e educação. Enquanto que as classes médias e altas, ao contratarem os serviços privados, beneficiam-se também da omissão de notificação dos casos e da falta de maior monitorização das autoridades nestes estabelecimentos.
Entre os diversos determinantes, considerados em inter-relação, destacam-se:
Econômicos – carência material para garantia de alimentação adequada e de outras necessidades básicas (desemprego; baixo salário; ausência de benefícios assistenciais); ausência de investimento em equipamentos sociais ou dificuldade de acesso (creche; serviço de saúde; escola; transporte; habitação; saneamento básico...); trabalho informal dos pais desprotegido e com intensa carga horária...
Sociais – alcoolismo e abuso de outras drogas; omissão da paternidade; gravidez indesejada; gravidez na adolescência, podendo resultar no despreparo ou na maternidade mal-assumida; sobrecarga de atribuições e de papéis sociais (mães chefes de família); desconhecimento sobre as fases de desenvolvimento da criança e do adolescente...
Culturais – repetição da educação recebida, reproduzindo os conceitos de “castigo”, “hierarquia”, “autoridade”, “respeito”, “sucesso”, “disciplina”...; reprodução de valores pelos profissionais de saúde (violência institucional), resultando no despreparo para o atendimento da família ou na omissão da notificação; concepção de que os filhos são propriedade dos pais; visão de dominação do mais forte, esta difundida no interior da família e da comunidade; fanatismo religioso...
Biológicos – distúrbios psiquiátricos dos pais; doenças crônicas ou deficiência física ou mental dos filhos, causando sobrecarga dos pais na atenção necessária; doenças crônicas dos pais que dificultam a atenção aos filhos; stress dos pais...
Históricos – mudanças do modelo de família; mudança no papel feminino na sociedade; avanços na legislação de proteção à criança e ao adolescente, tornando mais visível os casos de violência...
As crianças e adolescentes são submetidas às varias formas de violência, tais como: violência estrutural; violência urbana; exploração do trabalho; prostituição; homicídios...Entretanto, dados de estudos revelam que são crescentes os eventos ocorridos no ambiente familiar. É um tipo de violência mais passível de prevenção pelos profissionais de saúde, os quais podem também atuar sobre as demais formas a ela associada.
Violência física:
É concebida como aquela na qual existe o uso da força física de forma intencional, não acidental, praticada por pais, responsáveis, familiares outras pessoas próximas à criança ou adolescente com objetivo de ferir, danificar ou destruir esta criança ou adolescente, deixando ou não marcas evidentes.
A “síndrome da criança espancada” foi originalmente classificada na literatura médica como o principal tipo de violência física e é a mais comum de ser identificada nos serviços de saúde. Refere-se aos sofrimentos infligidos às crianças de baixa idade como forma de castigo e educação. É permeada por padrões culturais de educação, sendo controvertido o debate sobre os níveis de gravidade, podendo apresentar-se por: tapas; beliscões; palmadas..., ou por gestos que atingem partes muito vulneráveis do corpo; uso de objetos e instrumentos para ferir..., e até a provocação de queimaduras; sufocação; mutilações; fraturas ósseas... Geralmente, os sinais indicam agressões ocorridas em épocas diversas e são explicadas pelos pais de forma contraditória e insustentável. Não é raro que a agressão física conduza à morte de crianças e adolescentes como registram dados do Instituto Médico Legal.
A “síndrome do bebê sacudido” é uma forma especial de violência física. Consiste em lesões cerebrais, em geral em crianças de menos de seis meses, provocada por pais ou outros cuidadores, no geral, por irritação com o choro da criança.
A “síndrome de Munchausen por procuração” é definida pela situação na qual a criança é trazida para cuidados médicos devido a sintomas ou sinais inventados ou provocados pelos seus responsáveis. A conseqüência de submeter a criança a exames complementares desnecessários, uso de medicamentos... pode ser considerada uma violência física, além de psicológica, a medida em que é forçada a comparecer às inúmeras consultas e internações.
Violência psicológica:
Criar expectativas irreais ou extremadas sobre a criança e o adolescente;
Representa a forma mais comum de dominação dos responsáveis sobre os filhos, apesar de ser a menos identificadas pelos profissionais de saúde, talvez por ter forte vinculação com padrões culturais de educação dos filhos. Pode resultar em marcas profundas, as quais causam danos ao desenvolvimento e ao crescimento biopsicossocial da criança ou adolescente, podendo os levar a um posicionamento negativo e autodestrutivo diante da própria vida.
Violência sexual:
Conforme Azevedo e Guerra (1988), compreende “todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra”. As autoras defendem que, nessas ocorrências, o prazer direto ou indireto do adulto é conseguido pela coerção ou sedução, e a criança é sempre vítima.
Negligência e abandono:
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA estabelece em seu artigo 13 que os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos de crianças e adolescentes devem ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sendo considerada infração administrativa, sujeita à multa de três a vinte salários mínimos de referência, a falta de comunicação de autoridade competente, médico ou responsável pelo estabelecimento de saúde, dos casos de que tenha conhecimento. O Conselho Federal de Medicina e outros Conselhos Regionais também reiteram tal obrigatoriedade.
- Receio de ser envolvido e de ter problemas com o agressor ou com a justiça;
- Escassez de tempo e sobrecarga do profissional sobre uma enorme demanda;
- Ausência de suporte institucional sentida pelo profissional para respaldar seu ato;
- Descrença no poder público para dar solução aos casos encaminhados;
- Desconhecimento do sentido do processo de notificação;
- Falta de ação interdisciplinar que favoreça a sensibilização para a assistência mais ampliada, para além dos limites do tratamento médico do trauma ou lesão.
Assim, a atribuição do ato de notificar acaba sendo delegada, na ampla maioria das unidades de saúde, a outros profissionais, sobretudo aos assistentes sócias.
O ato de notificar, mais do que pelas implicações jurídicas, configura-se como principal base para a formulação de um perfil epidemiológico e para conseqüente formulação de políticas de promoção e prevenção que levem em conta as especificidades de cada localidade, além de possibilitar a incorporação dos atendimentos às vítimas de maus-tratos às rotinas institucionais.
Cabe aos gestores criarem as condições necessárias para criar um sistema de notificação de forma a incorporá-la à rotina das atividades de atendimento e ao quadro organizacional dos serviços, além de fomentar a capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento dessa demanda que se coloca no topo da agenda da saúde pública hoje no Brasil.
3 comentários:
Este texto e muito informativo para eu saber me cuidar e também vai me ajudar muito com omeu trabalho de sexta-feira.Muito Obrigado e continue com este trabalho otimo.
Olá
Estamos no mesmo barco a caminho da paz.
Qualquer coisa é só entrar em contato
http://paulonovaesdasilva.blogspot.com/
Um abraço
Paulo Novaes
Olá!
Este texto vai me ajudar muito no meu trabalho 'paper'.
comprometimento com á vida!esse é o nosso papel.
Um abraço!
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