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Tereza Cristina

sábado, 19 de julho de 2008

Cidadania Infanto-juvenil


"Cidadania Infanto-juvenil: retradução dos profissionais de saúde de uma unidade de emergência hospitalar".

O presente estudo preliminar baseia-se na vivência de cinco anos de atuação profissional enquanto assistente social na enfermaria de Pediatria do Hospital Estadual Getúlio Vargas, manifesta no esforço em analisar os referenciais dos profissionais envolvidos na assistência às crianças e adolescentes vítimas das várias formas de maus-tratos, bem como aos seus familiares.

A complexidade percebida na assistência ao segmento considerado exige a busca de compreensão sobre os diversos aspectos da demanda (sociais; econômicos; culturais; psicológicos; biológicos...), envolvendo, necessariamente, uma atuação interdisciplinar. Assim, a atuação do Serviço Social ocorre de forma articulada e voltada para a construção coletiva de novas práticas profissionais, interdisciplinares, no interior da instituição, traduzidas na mobilização pela criação de um Núcleo especializado no atendimento às famílias de crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos.

A inquietação mais presente ao refletir sobre o atendimento à demanda considerada consiste na constatação empírica de que o envolvimento da equipe interdisciplinar ocorre mais facilmente nas situações "mais agravadas" de violação dos direitos das crianças e adolescentes, correspondendo à indignação imediata ou à simples condenação dos familiares, sem se ancorar na compreensão sobre os vários condicionantes do universo dos mesmos e sobre as implicações advindas pela configuração de novos arranjos na constituição familiar.O sentimento de proteção às crianças e adolescentes, nestes casos, subjuga o caráter acolhedor, educativo e assistencial da família como um todo.

Percebe-se ainda que as situações de maus-tratos consideradas menos agravadas são naturalizadas pela maior parte da equipe, traduzindo-se na resistência aos encaminhamentos necessários no sentido da proteção a este frágil segmento. Assim, diversas proposições do Serviço Social, tais como: condicionamento da alta hospitalar à providência do registro de nascimento da criança ou adolescente; envolvimentos dos outros segmentos profissionais no ato de notificação compulsória aos Conselhos Tutelares; participação dos mesmos nas atividades educativa...são vistas como entraves no processo de trabalho, seja por ampliar a carga de atribuições, ou por limitar a mobilização de leitos.

Compreende-se que a atuação sobre as formas consideradas mais agravadas de violação dos direitos das crianças e adolescentes no espaço hospitalar ocorre quando a saúde já se encontra afetada. Enquanto que a atuação sobre as várias formas de violação constitui-se em prevenção primária, considerando-se a associação existente entre as várias formas de maus tratos, contribuindo para impedir o retorno da demanda em condição mais aviltada.

A naturalização sobre a infância violada é percebida em todo decorrer da história medieval. Em breve resgate histórico, baseado na obra de Ariès (1978), é possível perceber que as visões sobre a infância são construídas social e historicamente, variando conforme as formas de organização social. O mesmo autor observa que só muito recentemente o mundo ocidental deu relevância à infância.

A leitura de Kramer (2003) também nos ajuda a compreender que a idéia de infância surge no contexto histórico e social da modernidade. A autora afirma que os avanços da ciência e as mudanças econômicas e sociais produziram queda dos índices de mortalidade infantil. Em contrapartida, os efeitos da Revolução industrial não eximiram a infância da miséria e do trabalho escravo e opressor. Ressalta ainda que o projeto de modernidade ainda não se tornou real para a maioria das populações infantis.

No Brasil, a idéia de cidadania infanto-juvenil está consubstanciada sobretudo na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do adolescente. O ECA introduz uma concepção que supera a visão estigmatizada e discriminatória permeada pelo então “Código de Menores”, que focalizava as parcelas consideradas “em situação irregular” e os adolescentes autores de ato infracional. Difunde o conceito de “sujeitos de direitos”, definindo a perspectiva na prestação da assistência, a partir de um sistema integrado de garantia de direitos, prevendo atribuições do Estado e da sociedade civil nas várias esferas de poder.

Trata-se de uma conquista que envolveu amplas parcelas da sociedade civil organizada, a qual, sobretudo durante a segunda metade da década de 70, mobilizou-se contra o modelo político e econômico do Regime Militar. A luta pela redemocratização do país ampliou-se para a defesa de políticas setoriais universais, provocando o reordenamento do Estado acerca do padrão de proteção social, marcado pela centralização, burocratização e seletividade. Assim, aliando-se técnicos progressistas das instituições voltadas para infância e juventude; segmentos da igreja católica; das universidades; ONG’s...os movimento sociais interferem, ativamente, nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, resultando na incorporação do conceito de “cidadania infanto-juvenil” na Constituição promulgada em 1988 e, posteriormente, no ECA (Mendes, et alii, 2004).

A ampliação do aparato jurídico e institucional de defesa da infância e da juventude tem resultado na maior visibilidade sobre o aviltamento a este segmento. Entretanto, apesar dos quase 15 anos da nova lei, ainda predomina na cultura e valores da sociedade uma dissonância sobre os discursos técnicos produzidos sobre a temática, tornando as práticas profissionais pouco eficazes e esvaziantes.

A violação dos direitos das crianças e dos adolescentes tem grande repercussão no setor de saúde, provocando forte impacto na morbimortalidade da população ao gerar agravos à saúde e demandar cada vez maior quantidade de atendimento. Outrossim, a fragilidade deste segmento, bem como a sua subordinação na consecução de seus direitos e necessidades básicas o coloca mais vulnerável diante da degradação econômico-social que caracteriza a atual sociedade. A condição de seres em desenvolvimento torna as conseqüências dos maus-tratos (físicos, psicológicos, sexuais e da negligência) mais agravantes, resultando, na maioria das vezes, em seqüelas bio-psíquicas irreversíveis. Entretanto, a assistência a este segmento tem a marca da ação imediata e curativa. Poucos serviços de saúde estão voltados para o aprimoramento e capacitação dos profissionais para a compreensão sobre a complexidade envolvida em tal demanda.

Cabe ressaltar que, além da predominância da prãtica assistencial curativa, a variedade de segmentos profissionais atuando no setor de saúde são referenciadas por estatutos profissionais que evidenciam o caráter técnico da assistência, em detrimento de um projeto ético-político de defesa de direitos ou de transformação social, a exemplo da categoria dos assistentes sociais, como bem analisa Vasconcellos e outros (2004).

Pretende-se assim, analisar a retradução do conceito de cidadania infanto-juvenil dos profissionais dos principais segmentos envolvidos na assistência às crianças e adolescentes, no sentido de suscitar o debate e relexão voltados para a qualificação dos serviços prestados.
O estudo que se pretende privilegia a necessidade de se apreender a retradução dos diversos segmentos profissionais envolvidos na assistência às crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos, a partir de uma abordagem qualitativa e quantitativa.

Pretende-se assim, definir uma amostra aleatória das fichas de notificação aos diversos Conselhos Tutelares no ano de 2004, englobando as várias faixas etárias, sexos e tipos de violência.

O estudo se incidirá sobre as entrevistas estruturadas com os profissionais envolvidos nos atendimentos englobados na amostra citada, além da análise dos registros efetuados pelos mesmos em prontuários, fichas sociais, relatórios e na Notiticação Compulsória aos Conselhos Tutelares.

3 – Bibliografia de referência.

ARIES, P. Historia social da criança e da família. Rio de Janeiro:Guanabara, 1978.

AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane N. de A (orgs.) Infância e Violência
Doméstica: fronteira do conhecimento. 3a. ed. Cortez: São Paulo, 2000.

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2003.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério da Justiça,Brasília, 1997.

BRASIL, Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e
adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde.Brasília: Ministério da
Saúde, 2002.

BRASIL, Ministério da Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por
acidentes e violências. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.

DESLANDES, Sueli. Prevenir a violência: um desafio para os profissionais de Saúde.
Fiocruz/ENSP/CLAVES, Rio de Janeiro, 1994.

_________________ “O atendimento às vítimas de violência na Emergência:
prevenção numa hora dessas?” In: Ciência & Saúde Coletiva 4(1): 81-94, 1999.

GONÇALVES, Hebe Signorini. Infância e violência no Brasil. Paulo de Frontim, RJ:
NAU Editora; Rio de Janeiro: FAPERJ,2003.

KRAMER, Sonia. Infância, cultura contemporânea e educação contra a barbárie. In:
BAZÍLIO, Luiz C. et alii. Infância, educação e direitos humanos.São Paulo:Cortez,
2003.

LEITE, Mirian l Moreira. A infância no século XIX segundo memórias e livros de
viagem. In: FREITAS, Marcos Cezar de . (Org.) História social da infância no
Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.

MENDES, Alessandra G. e MATOS, Maurílio C. “Uma agenda para os Conselhos
Tutelares. Rio de Janeiro”.(mimeo). 2004.

MINAYO, Maria Cecília S. (org.). Pesquisa Social: teoria, método e
criatividade.Vozes: Petrópolis, 1996.

SANTOS, Josiane Soares. “Notas críticas sobre as relações entre a concepção de
cidadania pós-moderna e o Serviço Social”. Serviço Social e Sociedade n. 78.
São Paulo:Cortez, 2004.

VASCONCELOS, Ana Maria e outros. “Profissões de saúde, ética profissional e
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Janeiro:UERJ, 2004.

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