Quer um mundo melhor? cuide bem das crianças...

Este espaço visa compartilhar experiências profissionais na assistência a saúde da criança, em particular, às vítimas de violência de toda ordem.
Considerando-se a grande diversidade e dinamicidade das expressões da questão social, a troca de vivências profissionais tem relevante papel no intuito de qualificação da assistência prestada e na construção do projeto ético-político sintonizado com os anseios de igualdade e de justiça social.
Veja também as seções de apresentações em Power Point, dicas de filmes, sites e bibliografia.
Se possível, deixe seu comentário. Ele, certamente, contribuirá para melhorar o espaço e catalizar o potencial para outras iniciativas.
Se desejar, entre contato pelo e-mail ou add no MSN ou Orkut.

Um grande abraço.

Tereza Cristina

sábado, 2 de agosto de 2008

Serviço Social e Saúde: sobre o que atuar?

Serviço Social e Saúde: Sobre o que atuar?

Debate em comemoração ao "Dia do assistente social e da enfermagem"

15 de maio de 2002 expositora: AS Tereza Cristina Silva

O "15 de maio - dia do assistente social" é motivo de orgulho e consagração na categoria, bem como de reafirmação dos pressupostos de seu projeto ético-político, caracterizado pelo compromisso e defesa intransigente dos direitos sociais, em particular, dos trabalhadores, e pela denúncia e indignação sobre o estado de barbárie e de desigualdade social que caracteriza o capitalismo no Brasil.

No momento atual, a reflexão sobre esta data reveste-se de importância significativa, visto que o aprofundamento da crise econômico-social produzida pelo atual governo neoliberal, intensifica o caráter contraditório da profissão de, por um atender uma demanda cada vez maior e mais agravada e, por outro lado, atuar sob condições mais precárias, de esvaziamento de políticas públicas e de parcos recursos institucionais. O crescimento da miséria, do desemprego,da violência urbana..os quais resultam também em degeneração de valores, na perda de referências e no afrouxamento de laços familiares, configuram-se num quadro apresentado cotidianamente aos assistentes sociais.,os quais buscam aportes técnico-científicos para a compreensão desta realidade e para a elaboração de respostas profissionais.

No setor de saúde, as mudanças no plano jurídico-normativo configuradas no SUS, não deram conta de alterar a perversa realidade que envolve as camadas populares. Se, por um lado, tivemos avanços relevantes, sobretudo com a ampliação da atenção básica e com algum investimento em programas de promoção à saúde, tais como os programas de saúde da família e os agentes comunitários por outro lado os avanços não se articularam, com ações de saúde que envolvem a rede de maior complexidade.

São comuns no nosso cotidiano de trabalho às solicitações para exames (tomografias, ultra-sonografias, ressonâncias magnéticas...), medicamentos e internações. A população é submetida ao percurso por várias unidades de saúde, manifestando-se de forma subalternizada, contrariando o fundamento principal do SUS que define a saúde como um direito universal e de dever do Estado. Por outro lado, o quadro sanitário de crescimento da demanda por saúde; o ressurgimento de algumas epidemias e endemias (cólera, febre amarela, tuberculose, dengue, hanseníase...) e persistência de outras (AIDS); as filas nos hospitais; a morte por doenças de fácil prevenção (diarréia, esquistossomose, chagas, hipertensão...) 1, apesar das três trocas de comando do Ministério da Saúde pelo presidente FHC; demonstram que o desenvolvimento da atual política de saúde está longe de atingir às necessidades da população relativas ao setor.

Assim, a degradação das condições de vida e de saúde da maioria da população, resultantes da intensificação da crise econômico-social e a precarização da política de saúde, tem reflexo no interior das instituições de saúde, sobretudo numa unidade de emergência como o Hospital Estadual Getúlio Vargas, situado numa região marcada pelos altos índices de violência e de condições precárias de vida.

Em um levantamento breve realizado entre a equipe de assistentes sociais do HEGV 2, percebe-se uma demanda social variada que chega até estes profissionais, destacando-se: desemprego ou emprego precário desprovido de direitos elementares (trabalho informal); fome (desnutrição e subnutrição); abandono do idoso.pela família e pelo Estado; violência doméstica contra à mulher e contra à criança e ao adolescente; alcoolismo; abuso de drogas; perda de vínculos familiares e sociais com várias repercussões, particularmente, o suicídio; desinformação acerca de direitos e banalização da exclusão ("subalternidade consentida"); desinformação sobre formas de prevenção e tratamento da saúde; moradias precárias, sem saneamento básico e sem instalações elétricas (ou clandestinas) e hidráulicas; dificuldade de acesso aos serviços de saúde, gerando situações de emergência pela falta de tratamento da doença; restrição de instituições de amparo ao idoso, .ao deficiente físico, às populações de rua.

Ao assistente social, caberá como papel principal o de operacionalizar mediações (entrevistas, grupos, visitas domiciliares, pesquisas, escuta, acolhimento, encaminhamentos, contatos institucionais, articulações com entidades populares) as quais contribuam para a efetivação da condição de cidadania dos usuários, facilitando o acesso e informação da população sobre seus direitos, não só no sentido de realizar os devidos encaminhamentos aos recursos institucionais disponíveis, mas também de refletir junto aos pacientes e seus familiares sobre as formas de.promoção, proteção e recuperação da saúde em diferentes níveis.

Assim entende-se que os assistentes sociais possuem um papel relevante no sentido de contribuir para a concretização do conceito-ampliado de saúde, o qual considera como elementos determinantes do processo saúde-doença as condições de alimentação, renda, moradia, transporte, lazer... ou seja, a compreensão da .saúde não limitada aos aspectos biológicos da doença, mas considerando-se , também os aspectos sociais, culturais, psicológicos...

Entretanto, a efetivação de tal papel realiza-se de forma conflituosa no processo de trabalho em saúde, seja devido a limitação de.uma consciência sanitária.e da .concepção ampliada de saúde no interior da equipe interprofissional, consubstanciada na desorganização do seu processo de trabalho (despadronização do sistema de informação; desarticulação entre os setores; falta de reuniões técnicas entre a equipe interprofissional; escalas de trabalho desintegradas entre os segmentos profissionais; -ausência de projetos comuns); seja devidos aos fatores macro-sociais (restrição de recursos institucionais; crescimento da demanda social; clientelismo; lógica de -produtividade no sistema...),.os quais desrespeitam os princípios do SUS (universalidade, integralidade, democracia...) e o modelo assistencial dele decorrente.

A limitação na consciência sanitária na cultura institucional provoca, freqüentemente, uma contradição entre o que o assistente social considera como demanda social e o que se coloca enquanto demanda institucional. O desvirtuamento das atribuições do assistente social, as quais constam no seu estatuto profissional, aparece a partir de requisições burocráticas e desqualificadas, por parte de outros segmentos profissionais, tais como: preenchimento de guia de ambulância; preenchimento de cabeçalho de laudo médico; informações a respeito de formulários da competência médica; comunicados de alta para pacientes que não estão sendo acompanhados pelo Serviço Social; autorização para visitas em situações que não necessitam de parecer social; convocação de familiar para contato médico em situações que não envolvem a atuação do assistente social; busca de vaga para transferência, envolvendo apenas aspectos do tratamento do paciente...

O confronto, na busca da legitimação profissional, acentua fragmentação interprofissional, prejudicando a construção do sentido da interdisciplinaridade, e, conseqüentemente, limitando a compreensão da demanda sobre qual os profissionais atuam, considerando-se que a realidade é multifacetada e; para ser melhor compreendida, exige o olhar diferenciado dos diversos segmentos profissionais.

A limitação na .consciência sanitária reflete uma assistência centrada na.especialidade médica, na qual os demais profissionais são tidos como subordinados à prática médica, Tal ênfase, resulta também na onipotência médica.perante os usuários e na concepção meramente técnica da assistência, em detrimento dos valores éticos, humanos e do respeito aos direitos legítimos dos usuários.

O questionamento sobre o papel do assistente social, constatado na cultura institucional a partir das cotidianas indagações (“o.que faz então o Serviço Social?”), poderia receber como resposta:

O Serviço Social busca atuar, com aportes profissionais, sobre as demandas sociais colocadas pelos usuários, estas resultantes das contradições a que os mesmos estão submetidos em sua realidade social no contexto de uma sociedade capitalista.

Assim, a apreensão da dinâmica desta realidade não poderia se efetivar em um tipo de ação profissional indefinida ou definida apenas por uma opção político-ideológica sob o risco de oscilar entre uma atuação fatalista ou voluntarista. A elaboração de respostas profissionais por parte do Serviço Social no atendimento às demandas sociais que se apresentam, guardado o seu caráter plural, parte da compreensão científica da realidade, utilizando-se da produção teórica realizada pelas disciplinas com tal característica (Economia, Sociologia, História, Antropologia...).

Assim, compreender o papel do assistente social é compreender que o Serviço Social é uma necessidade da sociedade e é por ela determinado, conforme o contexto histórico considerado.

Notas:

1- Segundo Carlyle Guerra de Macedo, integrante do Conselho Nacional de Saúde em 1998 e ex-diretor geral do escritório da OPAS no Brasil, 400 mil pessoas morrem por ano de tais doenças, as quais poderiam ser contornadas com programas preventivos de baixo custo e fácil implementação. Fonte: Jornal do Brasil, 05..04.98.

2 Responderam ao questionário 10 assistentes sociais.

Colaboração:

assistentes sociais Denise (coordenadora do Serviço Social); Laureci {Cirurgia- Vascular. Ginecologia, Urologia e Buco-(maxilo); Janir (Clínica Médica e Cardiologia masculina); Valéria (Ortopedia e Cirurgia Plástica); Érika (Emergência); Sandra (Emergência); Fernanda (Emergência); Kelly (Emergência); Cleusmar (Saúde. do. ldoso) e Adriana (Saúde do Idoso).

Rio de Janeiro, 15 de maio de 2002.

sábado, 19 de julho de 2008

Uma noite de Natal no Hospital Estadual Getúlio Vargas

Ato encenado pela equipe multiprofissional da enfermaria de Pediatria do Hospital Estadual Getúlio Vargas, durante a comemoração natalina voltada para as crianças internadas e seus acompanhantes.

Uma noite de Natal no Hospital Estadual Getúlio Vargas.
Por: Tereza Cristina Silva - assistente social

Dona Luiza, 29 anos, chegou às 19h10m do dia 24 de dezembro, no setor de Pediatria da emergência do HEGV, com sua filha Carolina, de 05 anos, com 39º de febre. Drª Márcia, após ver o RX, explicou que a criança precisaria ficar internada por estar com Pneumonia.

Drª Márcia:
Mãezinha, sua filha terá que ficar internada, pois está com Pneumonia.
Dona Luiza:
Como assim, Doutora? Tem que dormir aqui? E os meus filhos que estão sozinhos em casa?

Drª Márcia:
Mas, mãezinha, essa filha é quem está doente. E ela precisa de tratamento em hospital.
Dona Luiza:
Mas eu não posso deixar ela aqui sozinha. E nem tenho quem cuide dos que estão em casa. Eu tenho mais dois filhos. A Marcela de nove e o Yago de 8 meses. Eu já não pude comprar presentes e nem posso fazer uma ceia de Natal decente. Passei o dia fazendo faxina, mas o que ganhei é pra juntar pra pagar o aluguel. Ainda tenho que deixa-los sozinhos?

Drª Márcia:
Mãe, Pneumonia é uma doença séria. Não posso liberar a sua filha nesse estado.
Dona Luiza:
Ah, não Doutora! Me desculpe. Mas eu vou levar a minha filha pra casa. Se for pra ficar internada, eu prefiro cuidar dela em casa.
Drª Márcia:
Mas se a senhora levar a sua filha sem autorização médica, seremos obrigados a notificar ao Conselho Tutelar.
Dona Luiza:
Com respeito à senhora e ao Conselho Tutelar, mas quem sabe o que melhor pros meus filhos sou eu.
Drª Márcia pede a presença do Serviço Social, sendo atendida pela AS Marise, a qual passa a abordar a mãe.
AS Marize:
Boa noite, D. Luiza! Sou do Serviço Social e foi comunicada que a senhora não concorda com a internação da criança. Será que poderemos ajuda-la de alguma forma?
Dona Luiza:
Olha aqui, assistente social: eu não tenho medo de Conselho Tutelar por que não são eles que sustentam os meus filhos. Por acaso são os filhos deles que passarão o Natal sozinhos em casa, sem sequer uma ceia? Eu não tenho marido. Sustento os meus filhos sozinha. A Marcela, minha filha de 09 anos, que ainda é uma criança é quem fica com os dois menores pra eu ir trabalhar. Faço faxina de segunda a segunda. Aí vem vocês me falar de Conselho Tutelar?

AS Marize:
Entendemos suas dificuldades, Dona Luiza. Realmente, a internação de emergência causa esses transtornos. Principalmente quando não se tem outro familiar para se contar.

Gostaríamos que entendesse que o Conselho Tutelar não é a mesma coisa que “Juizado de Menores”. Ele é composto por membros da comunidade para garantir que os Direitos das crianças e adolescentes sejam cumpridos. O Conselho Tutelar também pode estar assistindo sua família, requerendo recursos do governo ou da comunidade para auxiliá-la a desempenhar o seu papel de responsável.
É preciso que entenda também que, apesar de mãe, a senhora não deve impedir que sua filha receba assistência médica, assim como não deve negá-la a usufruir qualquer um de seus direitos (saúde, educação, registro de nascimento...).
Dona Luiza:
Mas, assistente social, não tem ninguém que queira mais o bem dos meus filhos do que eu. O que posso fazer se essa é a vida que tenho?
AS Marize:
Não duvidamos disso, Dona Luiza. Mas, a senhora não está sozinha. Tem o direito a contar com o auxílio dos órgãos competentes. Acredito que poderemos tentar pedir a ajuda do Conselho Tutelar. Tem sempre um conselheiro de plantão. Eles atuam por 24 horas. Quem sabe eles não conseguem uma cesta básica para auxiliá-la? Também poderemos flexibilizar a rotina do hospital e autorizá-la a entrar na unidade mais tarde. Assim, a senhora poderia preparar a ceia para os outros filhos e retornar para ficar com a Carol. O que a senhora acha?
Dona Luiza:
Mas será que ela não vai chorar? Será que não vai se sentir abandonada?
AS Marize:
Apesar de pequenininha, Dona Luiza, ela confia na senhora. Se a senhora explicar a situação direitinho, ela vai entender. Vai saber que enquanto estiver ausente, estará preocupada com ela. E não terá dúvida que retornará.
A AS Marize entra em contato com o conselheiro de plantão e este consegue disponibilizar uma cesta básica, comprometendo-se a leva-la imediatamente à residência de Dona Luiza. O conselheiro orienta ainda que Dona Luiza seja encaminhada ao Conselho após a alta hospitalar para tentar inserir suas duas filhas menores em cheche. A AS Marize retorna e comunica suas providências. Dona Luiza aceita a sugestão da assistente social e vai em casa preparar a ceia para os outros filhos, retornando às 23 horas.
A nutricionista Eliane, em visita ao leito de Carolina, observa que um prato de rabanada sobre a cabeceira. Passa a orientar a mãe sobre a atitude inadequada em trazer alimento de casa para a paciente.
Nutr. Eliane:
Mãe, a senhora não deve trazer alimento de casa para sua filha, pois sua alimentação é parte do tratamento e deve ser indicada pelo setor de nutrição.
Dona Luiza:
Mas eu sou quis trazer um pouquinho da ceia de natal para Carol, já que a coitadinha tem que ficar aqui no hospital.
Nutr. Eliane:
Entendo, mãe. Mas a senhora pensa que está fazendo um bem, mas pode estar prejudicando o tratamento de sua filha. A alimentação da Carol durante a internação deve seguir a orientação médica.

Dona Luiza:
Peço desculpas. Eu já havia sido orientada. Mas, fiquei com pena e achei que só um pouquinho não faria mal.

Nutr. Eliane:
Mas, pode ficar tranqüila, mãe. Vamos tentar, na medida do possível, adaptar a dieta da Carol bem ao seu gosto e hábito.

A enfermeira Paula vai até o leito de Carolina e verifica que será necessário pulsionar novamente sua veia, já que o procedimento feito anteriormente foi corrompido.

Enf. Paula:
Mãe, vamos ter que pegar outra veia da Carol por que esta já se perdeu.

Dona Luiza:
Mas, não é possível! Antes de eu sair foi uma dificuldade para acharem a veia. Agora vai fazer tudo de novo? Ah, não! A minha filha já sofreu muito por hoje.
Enf. Paula:
Mas, mãe, é a única forma de medicarmos sua filha. A senhora não quer que ela melhore?

Dona Luiza:
Claro que eu quero! Mas não agüento mais ver minha filha sofrer. Deve haver outra forma de fazer essa medicação.

Enf. Paula:
Não, mãe. O tratamento deve ser feito assim.

Dona Luiza:
Minha filha não agüenta mais sentir dor. E eu já estou de cabeça quente. Não suporto mais ver isso.

Enf. Paula:
Entendemos seu desgaste, mãe. Mas a senhora precisa confiar no tratamento. É para o bem da sua filha. Acredito que deva estar fragilizada também por ser noite de Natal e não poder estar com sua família reunida. A senhora não desejaria conversar um pouco com a psicóloga? Quem sabe pode se sentir melhor?

Dona Luiza:
Mas, a senhora acha que eu preciso de psicóloga?

Enf. Paula:
Todos nós poderemos, em algum momento, nos sentir fragilizados e precisar de um apoio.

Dona Luiza concorda com a enfermeira e esta solicita a presença da Saúde Mental, sendo atendida pela psicóloga Leila.

Psic. Leila:
Boa noite, Dona Luiza! Meu nome é Leila. Como tem passado?

Dona Luiza:
Poxa, Dona Leila! Parece até que passou um furacão em minha vida. Eu cuido dos meus filhos muito bem. Nunca precisaram ficar internados. Faço tudo por eles. Agora estou aqui. Não sei se me preocupo com a doença da Carol; com os outros dois que estão em casa.; ou com a faxina que vou ter que deixar de fazer enquanto estiver aqui. Se, pelo ao menos, o pai delas ajudasse. Mas, não. Ele foi embora antes do Yago nascer.

Psic. Leila:
Mas, a senhora não é culpada pelo que está acontecendo. E não terá como resolver todos os problemas de uma vez. (.........)

Após algum tempo de abordagem, Dona Luiza sente-se menos ansiosa e agradece o apoio, dizendo:
Nessa noite eu aprendi várias coisas. A gente chega com medo de ser mal tratada, por ser hospital público. Mas, eu percebi que pode ser diferente.

A equipe de profissionais se abraça, enquanto a fonoaudióloga Jesus, como oradora, se dirige ao público e coloca, em nome da equipe, a mensagem de solidariedade, cidadania e humanização hospitalar. No final de sua fala, a fisioterapeuta Cristina, vestida de Papai Noel, entra na sala, ao som de fundo de música natalina.


Após a encenação do ato, a fisioterapeuta Cristina, vestida de Papai Noel, fez a entrega de presentes às crianças internadas, inclusive junto ao leito das crianças sem possibilidade de locomoção. Os brinquedos foram doados pelo comércio local.

A nutricionista Teresa, vestida de palhacinho, realizou recreação.

O evento foi encerrado com a distribuição de bolo, doado pelo comércio local e refrigerante, sob a supervisão da equipe de Nutrição.

Outras fotos:

Violência contra crianças e adolescentes: o papel do profissional de saúde

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:
A RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE.

Apresentação realizada em 28.05.03 no CES do HEGV por ocasião do evento comemorativo pelo “Dia dos assistentes sociais”.

Conceituando a violência contra crianças e adolescentes.

A violência social que hoje mobiliza os diversos grupos sociais, seja os da sociedade civil ou do Estado, expressa-se de forma especial em relação às crianças e aos adolescentes. A fragilidade deste segmento, bem como a sua subordinação na consecução de seus direitos e necessidades básicas o coloca mais vulnerável diante da degradação econômico-social que caracteriza a atual sociedade. A condição de seres em desenvolvimento torna as conseqüências da violência (física, psicológica, sexual e da negligência) mais agravantes, resultando, na maioria das vezes, em seqüelas bio-psíquicas irreversíveis.
Dados do Ministério da Saúde evidenciam que a principal causa de morte de crianças e adolescentes a partir de 05 anos são decorrentes de acidentes e violência.A violência contra crianças e adolescentes é apenas uma das expressões da violência social maior que atinge toda a sociedade. Exprime a conjugação de vários tipos de violência (urbana, comunitária, conjugal...), além de conter aspectos internos, específicos de cada família, os quais também devem ser observados e compreendidos. Assim, a assistência sobre tal violência deve estar centrada na família, pois é esta é quem está “doente”.

As diversas manifestações da violência contra crianças e adolescentes são analisadas, por parte da literatura específica, sem obedecer a uma classificação hierarquizada sobre sua gravidade. Até porque, é comum se verificar associações sobre os diversos tipos de violência. Assim, uma criança ou adolescente que é vítima de violência física, geralmente, também é submetido à violência psicológica, à negligência ou abuso sexual. Dessa forma, entende-se que todos os tipos de violência devem ser considerados com o mesmo nível de gravidade, pois podem sinalizar uma situação de risco social ou mesmo de vida para este segmento.

Adota-se o conceito de Deslandes (1994), a qual define a violência contra as crianças e aos adolescentes, ou os maus-tratos, como prefere a autora, “pela existência de um sujeito em condições superiores (idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade...) que comete um dano físico, psicológico ou sexual, contrariando a vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa”.
Para a mesma autora, “os maus-tratos contra a criança e o adolescente podem ser praticados pela omissão, pela supressão ou pela transgressão dos seus direitos, definidos por convenções legais ou normas culturais”.

A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990 representou um grande passo na proteção da infância e da adolescência. Em substituição ao antigo Código de Menores, o ECA passa a reconhecer esse grupo societário enquanto sujeitos de direito, abolindo o conceito de “menoridade”, o qual o submetia à condição de propriedade dos pais. Outrossim, passa a responsabilizar toda a sociedade (família, comunidade, Estado...) sobre a proteção da infância e adolescência.

Fatores associados à violência contra crianças e adolescentes.

Apesar de atingir de forma particular as camadas populares, tal violência também se verifica em todos as culturas e classes sociais. A visibilidade maior nas camadas populares é possível, devido estas, em termos absolutos, serem maior numericamente e por utilizarem mais os serviços públicos de saúde e educação. Enquanto que as classes médias e altas, ao contratarem os serviços privados, beneficiam-se também da omissão de notificação dos casos e da falta de maior monitorização das autoridades nestes estabelecimentos.
Assim, pode-se dizer que as análises sobre a violência contra crianças e adolescentes devem considerar a inter-relação entre diversos fatores (econômicos, sociais, culturais, psicológicos...), sem definir uma determinação linear de aspectos macro-estruturais sobres os casos registrados.

Entre os diversos determinantes, considerados em inter-relação, destacam-se:

Econômicos – carência material para garantia de alimentação adequada e de outras necessidades básicas (desemprego; baixo salário; ausência de benefícios assistenciais); ausência de investimento em equipamentos sociais ou dificuldade de acesso (creche; serviço de saúde; escola; transporte; habitação; saneamento básico...); trabalho informal dos pais desprotegido e com intensa carga horária...

Sociais – alcoolismo e abuso de outras drogas; omissão da paternidade; gravidez indesejada; gravidez na adolescência, podendo resultar no despreparo ou na maternidade mal-assumida; sobrecarga de atribuições e de papéis sociais (mães chefes de família); desconhecimento sobre as fases de desenvolvimento da criança e do adolescente...

Culturais – repetição da educação recebida, reproduzindo os conceitos de “castigo”, “hierarquia”, “autoridade”, “respeito”, “sucesso”, “disciplina”...; reprodução de valores pelos profissionais de saúde (violência institucional), resultando no despreparo para o atendimento da família ou na omissão da notificação; concepção de que os filhos são propriedade dos pais; visão de dominação do mais forte, esta difundida no interior da família e da comunidade; fanatismo religioso...
Psicológicos – frustração pessoal dos pais (no trabalho, na relação conjugal, na vida comunitária, consigo mesmo...); frustração dos pais sobre a expectativa sobre o comportamento dos filhos (personalidade e temperamento incompatíveis ao dos pais), gerando a desqualificação dos filhos ou a comparação entre os mesmos; filho não desejado ou fruto de relação frustrada...

Biológicos – distúrbios psiquiátricos dos pais; doenças crônicas ou deficiência física ou mental dos filhos, causando sobrecarga dos pais na atenção necessária; doenças crônicas dos pais que dificultam a atenção aos filhos; stress dos pais...

Históricos – mudanças do modelo de família; mudança no papel feminino na sociedade; avanços na legislação de proteção à criança e ao adolescente, tornando mais visível os casos de violência...
Caracterizando os tipos de violência contra crianças e adolescentes.

As crianças e adolescentes são submetidas às varias formas de violência, tais como: violência estrutural; violência urbana; exploração do trabalho; prostituição; homicídios...Entretanto, dados de estudos revelam que são crescentes os eventos ocorridos no ambiente familiar. É um tipo de violência mais passível de prevenção pelos profissionais de saúde, os quais podem também atuar sobre as demais formas a ela associada.


Violência física:

É concebida como aquela na qual existe o uso da força física de forma intencional, não acidental, praticada por pais, responsáveis, familiares outras pessoas próximas à criança ou adolescente com objetivo de ferir, danificar ou destruir esta criança ou adolescente, deixando ou não marcas evidentes.

A “síndrome da criança espancada” foi originalmente classificada na literatura médica como o principal tipo de violência física e é a mais comum de ser identificada nos serviços de saúde. Refere-se aos sofrimentos infligidos às crianças de baixa idade como forma de castigo e educação. É permeada por padrões culturais de educação, sendo controvertido o debate sobre os níveis de gravidade, podendo apresentar-se por: tapas; beliscões; palmadas..., ou por gestos que atingem partes muito vulneráveis do corpo; uso de objetos e instrumentos para ferir..., e até a provocação de queimaduras; sufocação; mutilações; fraturas ósseas... Geralmente, os sinais indicam agressões ocorridas em épocas diversas e são explicadas pelos pais de forma contraditória e insustentável. Não é raro que a agressão física conduza à morte de crianças e adolescentes como registram dados do Instituto Médico Legal.


A “síndrome do bebê sacudido” é uma forma especial de violência física. Consiste em lesões cerebrais, em geral em crianças de menos de seis meses, provocada por pais ou outros cuidadores, no geral, por irritação com o choro da criança.

A “síndrome de Munchausen por procuração” é definida pela situação na qual a criança é trazida para cuidados médicos devido a sintomas ou sinais inventados ou provocados pelos seus responsáveis. A conseqüência de submeter a criança a exames complementares desnecessários, uso de medicamentos... pode ser considerada uma violência física, além de psicológica, a medida em que é forçada a comparecer às inúmeras consultas e internações.

Violência psicológica:

É aquela que se caracteriza pela interferência negativa do adulto sobre a criança ou adolescente e sua competência na sociedade, conformando um padrão de comportamento destrutivo. Costuma apresentar-se associada a outros tipos de violência.

No estudo realizado pelo CLAVES destacam-se seis formas mais constantemente observadas:

Rejeitar: quando o adulto não aceita a criança, não reconhece o seu valor, nem a legitimidade de suas necessidades;

Aterrorizar: quando o agressor instaura clima de medo, faz agressões verbais à criança, a aterroriza e a faz crer que o mundo é hostil;

Ignorar: o responsável pela criança ou adolescente não estimula o seu crescimento emocional e intelectual;

Criar expectativas irreais ou extremadas sobre a criança e o adolescente;
Corromper: quando o adulto induz a criança ou o adolescente à prostituição, ao crime, ao uso de drogas...

Representa a forma mais comum de dominação dos responsáveis sobre os filhos, apesar de ser a menos identificadas pelos profissionais de saúde, talvez por ter forte vinculação com padrões culturais de educação dos filhos. Pode resultar em marcas profundas, as quais causam danos ao desenvolvimento e ao crescimento biopsicossocial da criança ou adolescente, podendo os levar a um posicionamento negativo e autodestrutivo diante da própria vida.


Violência sexual:

Conforme Azevedo e Guerra (1988), compreende “todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra”. As autoras defendem que, nessas ocorrências, o prazer direto ou indireto do adulto é conseguido pela coerção ou sedução, e a criança é sempre vítima.

No geral, são acompanhadas de violência física, ameaças ou induções de sua vontade. Pode apresentar-se por atos nos quais não existe o contato sexual direto (voyeurismo, exibicionismo); por atos com contato sexual sem penetração (sexo oral, manipulação...)ou com penetração (digital, com objetos, ou com intercurso anal ou vaginal). Envolve ainda, a exploração sexual com a prostituição e a pornografia.

A maioria dos casos, segundo a literatura específica, é ocorrido no interior dos lares repetidamente, muitas vezes com a omissão dos responsáveis, já que representa um tabu cultural, Freqüentemente, os agressores são os pais, padrastos ou parentes ou pessoa que tem grande proximidade com a criança ou adolescente abusado. A mãe raramente aparece como agressora, mas é comum sua conivência pela omissão, devido ao constrangimento, medo de represálias ou da desestruturação do lar.

Negligência e abandono:

É definida pela omissão dos pais ou dos responsáveis no atendimento às necessidades básicas das crianças e adolescentes e no encaminhamento de seus direitos fundamentais. A omissão para com os cuidados básicos com a saúde, alimentação, higiene; a falta de inserção da criança em idade escolar na rede de ensino; a ausência do registro de nascimento; a falta de vacinação; o descuido com a atenção à criança gerando acidentes ou situação de rua; são exemplos mais comuns de negligência registrados nas unidades de saúde.

Algumas situações tidas como negligência no primeiro momento, são percebidas durante o contato maior com a família como resultantes da condição de exclusão vivida pelas camadas populares ou pela falta de esclarecimentos sobre seus direitos e recursos institucionais disponíveis, o que denota a inexistência de intencionalidade na situação objetiva de negligência. Outrossim, é comum a admissão de crianças em péssimo estado (desnutrição, desidratação, falta de higiene, meíse...) e a mãe ou pai apresentarem-se bem nutridos e vaidosos.



A importância da notificação compulsória.
A responsabilidade dos profissionais de saúde.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA estabelece em seu artigo 13 que os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos de crianças e adolescentes devem ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sendo considerada infração administrativa, sujeita à multa de três a vinte salários mínimos de referência, a falta de comunicação de autoridade competente, médico ou responsável pelo estabelecimento de saúde, dos casos de que tenha conhecimento. O Conselho Federal de Medicina e outros Conselhos Regionais também reiteram tal obrigatoriedade.
Entretanto, ainda é pequeno o número de notificações registradas. Conforme observa a equipe do CLAVES em estudo realizado para o Ministério da Saúde (2002), a categoria médica é a que mais resiste a tal atribuição por motivos diversos:

  • Receio de ser envolvido e de ter problemas com o agressor ou com a justiça;

  • Escassez de tempo e sobrecarga do profissional sobre uma enorme demanda;

  • Ausência de suporte institucional sentida pelo profissional para respaldar seu ato;

  • Descrença no poder público para dar solução aos casos encaminhados;

  • Desconhecimento do sentido do processo de notificação;
  • Falta de ação interdisciplinar que favoreça a sensibilização para a assistência mais ampliada, para além dos limites do tratamento médico do trauma ou lesão.

Assim, a atribuição do ato de notificar acaba sendo delegada, na ampla maioria das unidades de saúde, a outros profissionais, sobretudo aos assistentes sócias.

O ato de notificar, mais do que pelas implicações jurídicas, configura-se como principal base para a formulação de um perfil epidemiológico e para conseqüente formulação de políticas de promoção e prevenção que levem em conta as especificidades de cada localidade, além de possibilitar a incorporação dos atendimentos às vítimas de maus-tratos às rotinas institucionais.

Cabe aos gestores criarem as condições necessárias para criar um sistema de notificação de forma a incorporá-la à rotina das atividades de atendimento e ao quadro organizacional dos serviços, além de fomentar a capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento dessa demanda que se coloca no topo da agenda da saúde pública hoje no Brasil.

O papel do Serviço Social na assistência à saúde da criança


As alterações jurídicas e constitucionais verificadas na última década configuraram um conceito ampliado de saúde, colocando novos desafios para a atuação dos serviços públicos de saúde e para os profissionais que nele atuam.

Apesar dos avanços na legislação, o quadro de saúde da população ainda é bastante aviltante. Problemas de saúde pública, presumivelmente superados, tais como: hanseníase; tuberculose; parasitoses... persistem, além do crescimento da incidência de outras doenças: neoplasias; doenças cardiovasculares; transtornos psiquiátricos; dengue; AIDS...

O agravamento das condições de vida da população, decorrentes do acirramento das contradições sociais do atual estágio do Capitalismo, afetam em modo particular às crianças, em virtude da fragilidade deste segmento. Assim, o quadro epidemiológico de Saúde da criança coloca-se aviltante, sobretudo devido às doenças características de condição social precária, como: desnutrição; diarréia; parasitose; complicações respiratórias; causas perinatais;... , as quais correspondem ao alto índice de mortalidade infantil.

As ações de promoção da saúde, as quais podem ser desenvolvidas também por níveis assistenciais secundário, terciário e quaternário, possibilitam a identificação de situações que vulnerabilizam a saúde da criança. Intervir sobre tais situações converge para o atual conceito de saúde e favorece a qualidade da assistência oferecida.

De acordo com as prioridades definidas pelo Ministério da Saúde,

“A promoção da saúde integral da criança e o desenvolvimento das ações de prevenção de agravos e assistência são objetivos que, para além da redução da mortalidade infantil, apontam para o compromisso de se prover qualidade de vida para as crianças, ou seja, que esta possa crescer e desenvolver todo o seu potencial".
A ação do Serviço Social na assistência à Saúde da criança visa identificar e intervir sobre as situações de vulnerabilidade social, contribuindo para uma abordagem global da criança, para além da demanda apresentada, no sentido da produção articulada aos diversos saberes e intervenções profissionais de respostas qualificadas às necessidades de saúde da criança.

A abordagem sobre as chamadas “causas externas” (violência intrafamiliar; acidentes domésticos; acidentes de trânsito...) situações estas características das demandas numa unidade emergencial, são relevantes, a medida em que representam grande percentual nas causas de morbidade na infância e de mortalidade a partir de quatro anos, segundo dados do Ministério da Saúde.


As situações de maus-tratos envolvendo crianças (abuso sexual, abandono, negligência, violência física e psicológica) exigem abordagem cuidadosa, envolvendo o acolhimento; assistência e a articulação com a rede de proteção aos direitos das crianças e adolescentes (Conselhos Tutelares; Juizados da Infância e Juventude; abrigos...) . Além do necessário reconhecimento da associação da demanda apresentada com demais situações de risco, tais como: alcoolismo; abuso de drogas; dinâmica familiar desagregadora... Indicando a necessária assistência à família como um todo.

Ao assistente social, cabe atuar de forma integrada com outros profissionais das equipes de atendimento, identificando e intervindo sobre possíveis situações sociais e econômicas que possam interferir no tratamento, além de providenciar encaminhamento aos recursos comunitários. Avalia e acompanha tais situações com visitas diárias ao leito, além de realizar atendimento familiar quando julga necessário; nos encaminhamentos da equipe ou nas procuras espontâneas da própria família.

Assim, a intervenção do assistente social representa uma ação consoante com a atual legislação de saúde e a de proteção às crianças e adolescentes. Tem referência nas diretrizes ético-políticas do Serviço Social, as quais privilegiam o seu papel principal de interpretação das expressões da questões sociais, dada a sua dinamicidade, e de identificação de estratégias no enfrentamento das demandas resultantes do contexto de desigualdade social, marcado pela agudização da exclusão social, do desemprego, da violência e das situações de risco social.


Atuação do Serviço Social junto aos Conselhos Tutelares

“DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL DO HOSPITAL ESTADUAL GETÚLIO VARGAS NA AÇÃO JUNTO AOS CONSELHOS TUTELARES DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO’’.

Tereza Cristina Silva
Geórgia Thais L. Cordeiro (*)
1

1 - Introdução.

As situações que envolvem maus-tratos contra crianças e adolescentes são demandas cada vez mais presentes aos assistentes sociais nos serviços de saúde. Tais profissionais atuam no sentido de dimensionar os aspectos sociais associados, identificando os caminhos possíveis a serem adotados, seja na orientação e educação da família; seja no encaminhamento junto à rede assistencial disponível, envolvendo, necessariamente, a relação com os órgãos oficiais de proteção às crianças e adolescentes, em particular, com os Conselhos Tutelares.
Os Conselhos Tutelares representam, historicamente, importante conquista, a partir da aprovação do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, em 1990, já que, enquanto órgão autônomo e representativo, atuam como instrumento de fiscalização e aplicação dessa lei.

Entretanto, no cotidiano de interlocução do Serviço Social com os Conselhos Tutelares, registram-se observações sobre entraves a serem enfrentados, seja pela própria diferenciação de papéis, ou pelas circunstâncias dos âmbitos institucionais respectivos, o que exige a aproximação e reconhecimento sistemático sobre essa complexidade.

Tal contradição, coloca-se enquanto limitação do espaço de parceria necessário para a prestação da assistência de qualidade, sobretudo, considerando a conduta ética esperada entre profissionais e conselheiros e entre estes e os usuários.

O presente trabalho resulta, assim, da inquietação da equipe de Serviço Social do Hospital Estadual Getúlio Vargas, a partir da inspiração das assistentes sociais que atuam na enfermaria de Pediatria, sendo consubstanciada na realização do “I Seminário sobre a atuação do Serviço Social do HEGV junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” em 25.05.2004.
A organização do evento foi precedida de dois levantamentos: “Organização funcional e condições de infra-estrutura dos Conselhos Tutelares da região metropolitana do Rio de Janeiro” e “Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos Tutelares” e Ambos envolveram cerca de 90% da equipe de assistentes sociais, as quais, disponibilizaram seus recursos próprios para visitarem os 20 Conselhos Tutelares pesquisados.
O evento representou um passo inicial para o melhor reconhecimento sobre a condição de exercício do papel de ambos os segmentos – Conselhos Tutelares e Serviço Social do HEGV – , no sentido de explicitar as respectivas realidades e ressaltar as formas de contribuição mútuas para que a defesa dos direitos das crianças e adolescentes possa ir além da tarefa burocrática e rotineira de emissão da notificação compulsória de maus-tratos (a qual incide sobre a saúde já afetada), podendo constituir-se em uma política institucional mais abrangente, articulada, especializada e com maiores possibilidades de impacto sobre os vários níveis assistenciais, na perspectiva de superação da limitação da ação curativa para a relevância das iniciativas de promoção da saúde, conforme preconiza a legislação em vigor.
2 - Contexto de implantação dos Conselhos Tutelares.
A idealização dos Conselhos Tutelares tem como marco a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, aprovado em 13.07.1990 (Lei 8080), o qual regulamenta o dispositivo constitucional previsto no artigo 227 da Constituição Federal.
O ECA introduz uma concepção que supera a visão estigmatizada e discriminatória permeada pelo então “Código de Menores”, que focalizava as parcelas consideradas “em situação irregular” e os adolescentes autores de ato infracional. Difunde o conceito de “sujeitos de direitos”, definindo a perspectiva na prestação da assistência, a partir de um sistema integrado de garantia de direitos, prevendo atribuições do Estado e da sociedade civil nas várias esferas de poder.
Os Conselhos Tutelares compõem-se de cinco representantes da sociedade civil, eleitos para um mandato de 03 anos, devendo funcionar de forma permanente, autônoma e não jurisdicional, zelando pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. As instalações e as demais condições concretas de funcionamento devem ser previstas na Lei municipal e orçamentária.
Trata-se de uma conquista que envolveu amplas parcelas da sociedade civil organizada, a qual, sobretudo durante a segunda metade da década de 70, mobilizou-se contra o modelo político e econômico do Regime Militar. A luta pela redemocratização do país ampliou-se para a defesa de políticas setoriais universais, provocando o reordenamento do Estado acerca do padrão de proteção social, marcado pela centralização, burocratização e seletividade. Assim, aliando-se técnicos progressistas das instituições voltadas para infância e juventude; segmentos da igreja católica; das universidades; ONG’s...os movimento sociais interferem, ativamente, nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, resultando na incorporação do conceito de “cidadania infanto-juvenil” na Constituição promulgada em 1988 e, posteriormente, no ECA (Mendes, et alii, 2004).
Entretanto, os avanços introduzidos na norma jurídica, em si, não deram conta do dilema de convivência entre participação política e exclusão social. Se, por um lado, a década de 80 foi marcada pela ampliação dos espaços democráticos, por outro lado, a crise econômica, agravada desde a crise do petróleo, bem como as transformações pelas quais passava o Capitalismo (desaquecimento das atividades produtivas, crise inflacionária...), provocaram a redução da oferta de bens e serviços públicos, enquanto fizeram crescer as demandas sociais (Honorato, 1996), particularmente, sobre o frágil segmento de crianças e adolescentes.
Contraditoriamente, o processo de descentralização, nem sempre foi acompanhado de desconcentração de recursos, mas sim de atribuições.o que limita, na prática, o poder de resolutividade dos municípios para ampliação dos serviços públicos.

Cabe ressaltar que, a determinação de novos espaços de decisões compartilhadas, a partir da instalação dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares, provoca tensão com os mandatos executivos e legislativos, estes marcados pela cultura política “clientelista”, sobretudo, nos municípios do interior, nos quais a participação tende a ser tutelada por prefeitos e vereadores. Assim, a natureza de independência de tais espaços, considerando-se suas atribuições de controle, fiscalização e aplicação de medidas, potencialmente, colidem com velhas práticas políticas.
Considera-se assim, que os Conselhos Tutelares representam espaços inéditos na formação político-cultural da sociedade brasileira, podendo favorecer a construção de uma nova cultura política. Entretanto, a atividade dos conselheiros deve ser repartida pelas outras formas de organização da sociedade civil, inclusive com as que tratam das políticas setoriais. A autonomia preconizada na lei, não deve ser confundida com isolamento, já que pode dificultar as articulações com outras instâncias de participação e reduzir o desempenho adequado do seu papel histórico e legal.
3 – Análise sobre a condição atual dos Conselhos Tutelares da região metropolitana.
O levantamento realizado pela equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, junto aos Conselhos Tutelares da região metropolitana visou identificar a organização administrativa e as condições de infra-estrutura destes, delineando também os dilemas apresentados pelos conselheiros na busca do entrosamento necessário para a melhor qualificação da assistência prestada.
O processo de coleta de dados contou com a participação de 15 assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, as quais visitaram 20 Conselhos Tutelares (10 no município do Rio de Janeiro e os demais entre a os municípios da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo), entrevistando os conselheiros ou profissionais da equipe técnica, durante o período de 03 a 17.05.04. O instrumento utilizado, continha nove eixos principais:1- composição da equipe técnica; 2- infra-estrutura; 3- rede de proteção social; 4- capacitação para conselheiros e equipe técnica; 5- tratamento dos dados sobre o atendimento; 6- média de atendimento e origem das denúncias; 7- dificuldades encontradas na intervenção; 8- entraves na relação com o HEGV; 9- sugestões para melhoria dessa relação.
Cabe ressaltar que a coleta foi prejudicada por ter envolvido muitos profissionais (pesquisadores), o que não garantiu a sintonia da abordagem, sobretudo por ter sido trabalhado com questionário aberto. Não houve discussão prévia da equipe antes da coleta.
3.1 - Análise sobre o conteúdo dos questionários.
Quanto à composição da equipe técnica, observa-se que todos o Conselhos já estão com suas equipes implantadas. Todos possuem,o profissional de Serviço Social (55% com 1 ou 2, e 45% com 3 ou 4); 95% posuem 1 psicólogo e alguns possuem pedagogos e advogados (25% e 20%, respectivamente).
Em relação à infra-estrutura, foi possível perceber que a maioria dos Conselhos está minimamente, equipados (linha telefônica, fax, computador, etc), porém há falta de manutenção desses aparelhos, o que impede o bom funcionamento do órgão. O cotidiano de trabalho dos conselheiros é marcado, por esses problemas: salas inadequadas ao atendimento, mobiliário insuficiente, telefonia com problemas, dificuldades para locomoção/visitas, poucos funcionários administrativos, entre outros. Outro aspecto observado, é a diferença acentuada, no investimento realizado no município do Rio de Janeiro e Niterói em relação aos municípios periféricos, sobretudo os da Baixada Fluminense.
Identificou-se como dado relevante que enquanto alguns municípios ampliam o nº de Conselhos, o município de Belford Roxo reduziu, mantendo apenas um em funcionamento, no limite da lei. Anteriormente já mantinha os técnicos, viatura e o espaço físico, sendo dividido pelos 2 Conselhos. Tal fato vem de encontro com o que é apontado por Bazílio (2003: 33), quando este avalia que, em alguns casos, pode-se supor que a Prefeitura e a Câmara de Vereadores não contemplam estas estruturas com orçamento porque ”temem” o fortalecimento deste ator ou duvidam de sua legitimidade. Acrescenta ainda, que o Movimento Social que promoveu a redação/aprovação do Estatuto não tem pressionado as autoridades locais a fim de que se garanta o funcionamento deste órgão importante de defesa de direitos.
Verificamos que, em relação à rede de proteção social, no município do Rio de Janeiro não há nenhuma iniciativa. Ao contrário do município de Niterói e alguns da Baixada Fluminense (Duque de Caxias e Nova Iguaçu) onde se observam experiências neste sentido. A relação com as instituições representativas da comunidade ainda é residual, limitando-se a algumas palestras, para as quais os Conselhos (50%) são convidados. Ainda não existem iniciativas comuns no sentido da prevenção ou articulação para a ação integrada, o que comprova a hipótese inicial de isolamento dos Conselhos.
Quanto à capacitação, a maioria dos Conselhos (90%) apontou que somente participaram do treinamento inicial, após a posse. 60% revelaram que buscam por iniciativa própria algum aprimoramento, através de cursos, seminários, palestras, etc. Apenas 15% disseram ter participado de mais de um treinamento oficial.

Sobre o tratamento de dados de atendimento, 75% afirmam não fazer nenhuma estatística. Os 25% que fazem a estatística, não realizam reconhecimento epidemiológico desta população.
No que se refere à média anual de atendimento e a origem das denúncias, constata-se que 35% registram até 2000 atendimentos; 30% de 2001 a 3000 atendimentos; 20% mais de 3000 atendimentos e 15% não souberam informar. Foi observada a fragilidade no que diz a respeito ao registro e armazenamento deste dado, o que os torna pouco confiáveis. A maioria das denúncias provém dos hospitais (60%), seguidos de 50% provenientes das escolas e disque-denúncias, além de 40% da família. É importante considerar que as citações não são excludentes.
Os Conselhos destacaram como principais dificuldades na intervenção os seguintes pontos: 70% alegam a falta de recursos internos (material de consumo e patrimonial, falta de manutenção nos equipamentos e viaturas) e a falta de recursos na rede assistencial; 30% registram a falta de capacitação e dificuldade na relação com o Ministério Público e Juizado da Infância e da Juventude (morosidade e cobranças irreais); 20% revelam a falta de sensibilidade dos profissionais de saúde ou de educação sobre a situação de abuso com a criança e adolescente e sobre o papel do Conselho Tutelar; 15% fazem referência à dificuldade para realizar a visita domiciliar em local de risco e destacam o nº reduzido de Conselhos no município, em função muita demanda; 10% lembram a dificuldade de acesso à assistência psicológica e em localizar o endereço referente à denúncia e 5% apontam falta de investimento do poder público na política da Infância e da Juventude.
Dos 70% de Conselhos Tutelares que já atenderam encaminhamentos do HEGV, nenhum declarou ter dificuldades na relação com o mesmo. Cerca de 30%, nunca receberam qualquer encaminhamento, advindo desta unidade.
As propostas para a melhoria na relação com o HEGV partiram daqueles Conselhos que já mantiveram contato com o mesmo. Assim, 35% não apresentaram propostas. 30% destacam a necessidade de maior integração com o CT; 20% deram ênfase à importância de mais iniciativas como a do Seminário realizado. 20% propuseram treinamento para melhor preenchimento da ficha de notificação compulsória;10% enfatizam a necessidade de ampliação da rede assistencial, 10% apontam a importância de fornecer mais subsídios, por parte dos técnicos notificantes, sobre a situação da criança e adolescente abusada, tal como o relatório ou a ficha de notificação compulsória mais detalhada; 10% defendem a realização reuniões trimestrais; além de lembrarem, no mesmo percentual, a importância de maior detalhamento no endereço fornecido, visto que alguns pais informam o endereço fictício; 5% ressaltam maior provimento de recursos necessários aos Conselhos Tutelares e, o mesmo percentual, sugere o contato telefônico prévio a notificação.
Considerando-se que o instrumento de coleta de dados foi o questionário aberto, foi possível perceber no depoimento de alguns conselheiros o anseio pela definição de uma carga horária, já havendo a proposta de 30 horas semanais, já que o dispositivo do ECA que prevê o funcionamento permanente (24 horas) não é compatível com a falta de investimento do poder público, que não amplia o número de Conselhos, além de não oferecer o suporte necessário ao funcionamento dos já existentes. Assim, a carga horária torna-se excessiva para o funcionamento em horário permanente, diante de uma vasta área a ser atendida e da crescente demanda apresentada.
4 – Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos Tutelares.
O levantamento realizado entre a equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas teve o intuito de sistematizar os principais aspectos da ação destes profissionais juntos aos Conselhos Tutelares da região metropolitana, visando possibilitar a construção de estratégias comuns, na busca da necessária parceria e entrosamento com os mesmos.
O estudo englobou 19 assistentes sociais, representando mais de 90% da equipe do Hospital Estadual Getúlio Vargas, os quais responderam ao questionário aberto, durante o período de 12 a 25.04.04, incluindo cinco itens: 1- Principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano profissional; 2- Forma de atuação e procedimentos adotados; 3- Principais dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares; 4 - Conselhos Tutelares com os quais encontra maiores dificuldades; 5- Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos Tutelares.
Trata-se da perspectiva destes profissionais sobre sua própria atuação, já que tal levantamento não se baseou em estudo sobre fontes primárias, e sim no depoimento dos mesmos.
A atuação junto às situações de maus-tratos contra crianças e adolescentes é bastante diferenciado entre a equipe de assistentes sociais do HEGV2, já que estes estão inseridos em setores com características diversas.

Os que atuam no setor de emergência estabelecem o contato inicial com tal demanda, com as características peculiares de tal condição, na maioria dos casos, de forma efêmera, além de serem absorvidas por demais demandas do setor.

As duas que atuam na enfermaria de Pediatria dão seguimento aos atendimentos realizados no setor de emergência, já que este é a principal porta de entrada. Atendem, especificamente, crianças. Poucos casos recebem atendimento inicial. É possível o estabelecimento de maior vínculo com os usuários e, conseqüentemente, o aprofundamento sobre o conhecimento da dinâmica que envolve a demanda.

As assistentes sociais que atuam nas demais enfermarias, convivem apenas esporadicamente com tais situações, restringindo-se aos adolescentes. Geralmente, o contato com os Conselhos Tutelares, quando necessário, são para seguimento de situações já notificadas no setor de emergência.

Conforme o quadro exposto, constata-se que 64% da equipe estabelecem contatos regulares com os Conselhos Tutelares, enquanto que 41% mantém apenas contatos eventuais.

4.1 - Principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano profissional.

As referências sobre as principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano profissional foram bastante diversificadas, não se limitando às formas mais acentuadas de violência, o que denota o amadurecimento da equipe para publicizar questões que vão além dos sintomas aparentes e imediatos da demanda mais agravada, buscando atuar também sobre aspectos voltados para prevenção primária da violência.

A forma de maus-tratos mais citada foi a “negligência”, em suas várias manifestações (65%); seguida da “violência urbana” (59%), a qual atinge, particularmente, aos adolescentes; “abuso sexual” (59%); “abuso físico” (53%); e “auto-agressão” (23%).
Englobada nas várias expressões de “negligência”, a “falta de Registro de nascimento” obteve 64% das citações dos assistentes sociais, representando o esforço atual da equipe, com êxitos significativos, em viabilizar o documento antes da alta hospitalar. Outras formas de negligência citadas foram: falta de higiene (53%); falta de vínculo com a rede de ensino (35,3%); quedas (29,4%); acidentes de trânsito (29,4%); acidentes domésticos (23,5%); situação de rua (23,5%); desnutrição (23,5%); cartão de vacinação desatualizado ou inexistente (23,5%); falta de puericultura ou outra forma de assistência médica (23,5%); desmame precoce (6%); trabalho infantil (6%) e alta à revelia (6%). Considerando-se a associação existente entre as várias formas de maus-tratos, conforme indica a literatura específica
3, a observação e atuação dos profissionais sobre tal forma de maus-tratos podem contribuir para a identificação precoce das situações de risco social.

4.2 - Formas de atuação e procedimentos adotados.

As citações dos assistentes sociais referentes às formas de atuação e procedimentos adotados durante o atendimento às situações de maus-tratos contra crianças e adolescentes revelam algumas contradições perpassadas na forma pela qual se organiza o processo de trabalho do Serviço Social no HEGV. Considerando-se que as respostas correspondem ao ponto de vista imediato e empírico, observa-se que a maioria dos assistentes social destaca sua atuação pelas diretrizes estabelecidas nas rotinas instituídas.

Assim, 76,5% afirmam que emitem a Notificação Compulsória regularmente ou eventualmente, enquanto que 23,5 não necessitam de tal procedimento em suas ações cotidianas. 65% enfatizam a necessidade dos encaminhamentos aos recursos institucionais em seus atendimentos, e 47% ressaltam as ações de educação e saúde, bem como a importância do estabelecimento do contato prévio ou de seguimento com os Conselhos Tutelares. 35,3% lembram de fazer referência à relevância do esclarecimento aos usuários sobre o papel da notificação e do Conselho Tutelar. 29,4% referem-se à elaboração de sumários sociais complementares à notificação enquanto prática cotidiana. 23,5% registram a preocupação em encaminhar os responsáveis ao Conselho Tutelar no ato da notificação. Apenas 18% destacam a ação do acolhimento aos usuários e o mesmo percentual preocupa-se em realizar perfil sócio-familiar. 12% referem-se à importância de emitirem parecer e só 6% ressaltam o papel da ação interdisciplinar.

Percebe-se que poucos profissionais fizeram referências às atividades de caráter educativas, informativas, acolhedor e assistencial. Tal contradição pode ser decorrente de fatores diversos, os quais ultrapassam o objetivo do presente trabalho. Entretanto, acredita-se que a atual cultura institucional hegemônica traduz-se em rotinas institucionais esvaziantes do sentido ampliado de saúde, tal qual possibilitasse a assistência para além do caráter curativo e emergencial das enfermidades, e, conseqüentemente, favorecendo as ações de promoção da saúde.

Assim, o profissional de Serviço Social, como diria Vasconcelos (2002), acaba sendo envolvido em ações paliativas, imediatas e de grande sobrecarga, as quais, nem sempre, o competem, mas que o subordinam mais ao atendimento das demandas institucionais e de outros segmentos profissionais, em detrimento da intervenção de maior impacto sócio-educativo. Evidência mais constante de tal perspectiva, pode ser localizada na institucionalização da atribuição, quase exclusiva, de notificação compulsória de maus-tratos aos assistentes sociais.

4.3 - Principais dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares.

A natureza dos diversos tipos de intervenção do Serviço Social, resultantes das várias formas de inserção dos assistentes sociais na equipe (emergência dia/noite, enfermaria de Pediatria e demais enfermarias), definirá também a forma de relacionamento com os Conselhos Tutelares, podendo ser eventuais e voltadas para soluções de questões imediatas, ou constantes, pretendendo inclusive participar do encaminhamento efetivo das situações de maus-tratos notificadas.

A equipe de Serviço Social, de modo geral, localiza os entraves vivenciados junto aos Conselhos Tutelares em aspectos bastante pulverizados, em virtude das formas diferenciadas de intervenção Assim, verifica-se que a maioria da equipe localizou a principal dificuldade no acesso aos Conselhos Tutelares fora do horário comercial (35,3%), experiência essa, característica dos plantonistas de final de semana e do horário noturno. 29,4% reclamam da falta de retorno dos casos encaminhados, dado encontrado no posicionamento de assistentes sociais de vários setores. O mesmo percentual diz a respeito à falta de postura ética dos conselheiros para com os profissionais. 23,5% sinalizam a relação unilateral dos conselheiros em relação aos casos atendidos. Destaca-se a citação de 17,6% sobre a falta de definição nas orientações dos conselheiros, bem como da ausência de preparo técnico. Um percentual menor (11,8%) de assistentes sociais referiu-se a desorganização no processo de trabalho dos Conselhos, incluindo a demora no encaminhamento dos casos. O mesmo percentual ressaltou a falta de infra-estrutura (fax, viatura, linha telefônica, etc.). A minoria dos assistentes sociais (6%) enfatizou o abuso de poder; a omissão de alguns conselheiros sobre suas atribuições e a falta de reconhecimento pelos Conselhos sobre as características das diversas unidades.

A definição da equipe de Serviço Social sobre os entraves vivenciados junto aos Conselhos Tutelares evidencia a falta de sintonia entre ambos os segmentos, os quais ignoram as contradições dos respectivos universos institucionais. Tal limitação restringe também a necessária parceria desses segmentos na defesa e na promoção dos direitos da criança e do adolescente, já que a própria legislação específica ressalta a necessária ação articulada entre os vários segmentos da sociedade civil.

4.4 - Conselhos Tutelares com os quais encontra maior dificuldade de relacionamento.

O Conselho Tutelar de Ramos, por abranger os bairros dos quais provém a maioria dos usuários do HEGV, é aquele com o qual a equipe mantém mais contato, sendo apontado também como aquele de maior dificuldade de relacionamento (64%), seguido pelo Conselho Tutelar de Madureira (47%) e pelo Conselho Tutelar de Duque de Caxias (23%). Apenas 23% dos membros da equipe afirmam não terem tido qualquer dificuldade na relação com os Conselhos Tutelares. Cabe considerar nos percentuais referidos que alguns profissionais citaram mais de um Conselho.

4.5 - Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos Tutelares:

O item referente às sugestões para a melhoria na relação com os Conselhos Tutelares foi o que revela maior convergência entre os assistentes sociais, independentemente da forma de inserção na equipe. Assim, 70% defendem maior intercâmbio dos Conselhos Tutelares com profissionais de saúde; 40% defendem a necessidade de encontros ou seminários regulares; 30% dos assistentes sociais sugerem a capacitação sistemática dos conselheiros; 17% propõem um relatório mensal emitido pelos Conselhos Tutelares dos casos encaminhados pelas unidades de saúde; 10% destacam a necessidade de atualização da lista de telefones celulares; relação de novos conselhos criados, 6% esperam melhor orientação sobre os casos nos quais a orientação se faz necessário, 6% sugerem que os celulares estejam permanentemente ligados, 6% esperam que haja maior esclarecimento quanto às características de cada unidade, 6% acreditam que seja necessário maior capacitação dos demais profissionais de saúde e 6% defendem que haja maior presença dos conselheiros na unidade.

A concentração de indicação da necessidade de maior intercâmbio com os Conselhos Tutelares (70%) pode estar associada à motivação para a adesão da equipe à proposta de realização do levantamento junto aos Conselhos Tutelares e do Seminário já referido na introdução deste trabalho. Cabe ressaltar que a maioria da equipe visitou os Conselhos pelos seus meios próprios e, alguns, durante o seu horário de folga.

5 – Considerações finais.

A oportunidade de aproximação com os Conselhos Tutelares pode favorecer a constatação de que os avanços jurídicos conquistados a partir da promulgação do ECA tornam-se incompatíveis com a atual condição de funcionamento desses importantes espaços na busca de aplicação da lei.

O descomprometimento do poder público, em particular dos Prefeitos, com o aparelhamento adequado dos Conselhos; manutenção dos equipamentos; melhor remuneração dos conselheiros; bem como com a ampliação do número de Conselhos existentes, fica bastante evidenciado no levantamento realizado .A falta de vontade política e a tendência ao tratamento da política pública enquanto mérito do executivo ou legislativo, nos moldes da cultura política tradicional, é a tendência que se verifica, com poucas exceções.

A inexistência das Redes de Proteção Social nos moldes proposto pelo Ministério da Saúde4 na maioria dos municípios, inclusive no do Rio de Janeiro, é o retrato da ausência de políticas públicas, em particular, das voltadas para o segmento infanto-juvenil.

Por outro lado, cabe à sociedade civil reassumir o seu protagonismo na defesa de políticas públicas inclusivas, mobilizando-se e participando dos espaços políticos conquistados a fim de pressionar o poder público ao cumprimento de seu papel.

A acentuação dos níveis de exclusão social e, conseqüentemente, o crescimento da violência, as quais atingem prioritariamente as crianças e adolescentes, configuram a urgência no enfrentamento dos dilemas apresentados.

Considerando-se a violência enquanto relevante questão de saúde pública, e as repercussões da mesma para o desenvolvimento físico e emocional do frágil segmento de crianças e adolescente, acredita-se que caiba aos serviços de saúde o estabelecimento de uma política institucional mais abrangente, articulada, especializada , com ênfase nas ações de prevenção e promoção da saúde.

O Serviço Social no Hospital Estadual Getúlio Vargas espera estar fazendo a sua parte na busca de parceria com os Conselhos Tutelares, a exemplo da organização dos levantamentos explicitados e do “I Seminário sobre a atuação do Serviço Social junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” em 25.05.2004. O evento contou com a presença de conselheiros e técnicos representando 09 Conselhos Tutelares, além de profissionais e estagiários de diversas áreas atuando no HEGV. Consideramos limitado o número de Conselhos presentes, mas, certamente, um passo significativo nesta caminhada.

6– Referências bibliográficas.

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Notas:

1 Assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, atuando na enfermaria de Pediatria.
2 A equipe é composta de 21 assistentes sociais, sendo que: 9 atuam nas enfermarias, incluindo CTI e triagem na sala do Serviço Social; 8 atuam no setor de emergência durante o dia; e 4, no setor de emergência, durante a noite. Destes, 19 atuam em regime de plantão e 2 são diaristas, atuando nas enfermarias.
3 DESLANDES, Suely F. “Prevenir a violência. Um desafio para profissionais de saúde”. Rio de Janeiro:ENSP/Fiocruz, 1997.
4 BRASIL. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde. 2a ed.rev.
Brasília: Ministério da Saúde. 2002.